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“Descubra como o protagonista enfrenta a solidão em sua jornada em busca de redenção. Uma história emocionante e reflexiva que vai fazer você questionar o que é verdadeiramente importante na vida.”
seque abaixo o Capítulo 2: Solidão.
Solidão
[. “Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela
será chamada mulher, porque do homem [11] foi tirada”.] Gêneses 2.23.
Em um belo dia, estando a catalogar as espécies criadas por Papai,
fiquei profundamente impressionado com a perfeição com que Ele as formou; cada
forma e habilidades tão peculiares que permaneci por algum tempo admirando e
observando as interações de cada criatura. Percebi que cada espécie era formada
por pares macho e fêmea.
Quando enfim voltei desse êxtase, senti-me profundamente sozinho,
ainda que, na realidade, não estivesse. Não sei explicar o que me levou a ter
essa percepção; contudo, experimentei uma terrível sensação que me era
estranha. O que viria a ser? Não conhecia palavras que pudessem definir com precisão
o sentimento que arrebatou-me num tão breve momento. Solidão? Seria ausência de
algo? Se essa é sua primária definição, julgaria imprecisa e contraditória.
Meu Pai sempre estava comigo, mesmo quando não percebia sua
presença. Ele estava lá. Era comum conversarmos todos os dias, sobre a sombra
da grande árvore, a respeito de vários assuntos. Era, na verdade, um momento
didático, interativo e lúdico, onde podia encontrar descanso nos seus braços;
no entanto, esse sentimento, como um algoz, me afligia o pensamento, e com seu
instrumento de tortura – "solidão" – subjugava-me o coração.
Não tinha solidão, no entanto, estava solitário, e não sabia como
suprir essa necessidade. Até que, certo dia, conversando com Papai, deixei
transparecer as marcas da tortura que trazia cativo a mente. Até tentei
disfarçar, pois julgava inapropriado e irreverente tal atrevimento. Não poderia
magoá-lo; não seria justo com Ele, afinal, sempre estivera comigo.
Papai percebeu, aliás, não há como esconder nada dele; no entanto,
nenhuma palavra ouviu de seus lábios a essa afronta incutida.
Algum tempo depois, não me recordo exatamente, Papai, como de
costume, veio falar-me numa dessas conversas que regularmente tínhamos. Nesse
interim, fui acometido por um profundo sono, algo que nunca acontecera antes
quando estávamos juntos. Obviamente, não teria coragem de fazê-lo ao ponto de
desprezar sua inestimável presença; seria o mesmo que desprezar sua
benevolência para comigo. Pois bem, nesse episódio acabei relaxando ao ponto de
adormecer, o que não sabia no momento era que esse sono repentino fosse parte
de um plano extraordinário de Papai.
Sinto-me aliviado por não ter desprezado sua presença, agora que
sei o motivo. Enfim, como dizem na linguagem comum, "agarrei no sono"
e, quando despertei, um pouco confuso – diria até "ariado" –, senti
que algo estava diferente, não sabia exatamente o quê! O carrasco que me
afligira desaparecera como a nevoa; as marcas do chicote não mais existiam, e
sentia-me restaurado como á principio. Teria sido Papai que, percebendo minha
inquietação e coração contrito, restaurou-me? É o que presumi.
Mas, à medida que os olhos iam clareando, e o pensamento aguçando
para realidade, percebi que Papai havia partido.
Achei estranho, pois isso nunca aconteceu antes: Papai nunca
partia sem as devidas despedidas. Levantei-me aos poucos, até que as pernas
firmassem e sustentassem o corpo. Quando de relance, avistei uma figura
diferente de todas que meus olhos contemplaram. Era uma beleza indescritível!
Julguei ser uma visão, quem sabe fruto da imaginação como resultado dos últimos
acontecimentos.
Imediatamente, levei as mãos ao rosto, esfreguei bem os olhos e
fitei novamente para aquela que julgava ser uma miragem. Não podia evitar;
fixei o olhar, como que hipnotizado. Olhava de alto a baixo, sem piscar ou
vacilar.
Quando finalmente me dei conta que tal ser era de fato real,
admito que fiquei paralisado por algum tempo, até recobrar a coragem para
dirigir-me em sua direção. Foi uma batalha: o coração acelerado, perna tremula
e visão embaçada. Quando me dei conta, estava aos seus pés, admirando
extraordinária beleza.
Meus olhos já contemplaram muitas formas que julgava belas, como,
por exemplo, as delicadas pétalas das rosas. Mas aquela que estava contemplando
era, sem dúvida, a expressão máxima da beleza. Sua pele trazia um tom que não
sei descrever com precisão; se desse uma opinião, diria que todas as cores a
contemplavam.
Com aparência delicada e fragrância exuberante, excediam em muito
as da rosa. Sua feição meiga, com traços simétricos e perfeitos, refletia como
uma noite de luar na imensidão do espaço, cheia de graça e beleza impecável.
Estatura perfeita, como que projetada por um designer e moldada à mão, era
majestosa.
Formas arredondadas, com leves relevos nas extremidades, eram de
fato magníficas. De repente, veio-me à mente que Papai era o responsável por
aquela maravilha descomunal. Fiquei agradecido e o chamei secretamente para
agradecer-lhe pessoalmente tamanha generosidade.
Quando de repente, um som rompeu o silêncio e despertou a atenção
de todos os seres; era como ouvir a sinfonia ao crepúsculo. Vi-me contemplando
a perfeita nota que surgia dos seus lábios. "Adam" foi à palavra que
ressoou aos meus ouvidos; era diferente de todos os sons que contemplara.
Estava acostumado a ouvir a voz de Papai chamar-me pelo nome;
embora o som de sua voz fosse agradável e deleitoso, essa era como posso dizer,
única, gentil; não que a de Papai não fosse. Rapidamente fiz gesto de
respondê-la, mas fui impedido pela razão: afinal, não sabia seu nome e fiquei
curioso em saber como ela sabia o meu. Certamente, Papai lhe havia dito.
Fiquei pensativo e, no consciente, dirigi-me a Papai para saber
como se chamava aquela impressionante figura. Durante esse processo pessoal, a
donzela estava observando-me como se estivesse impressionada; acho que
compartilhamos do mesmo sentimento.
De repente, veio-me um nome – acho que foi Papai respondendo ao
apelo que fiz – e enunciei "Eva" ao que me respondeu: "Sim, Eva
é meu nome!" Então concluí:
Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! “Ela será
chamada mulher, porque do homem foi tirada.”
Nesse momento, Papai, que estava observando há tempos, veio a
nosso encontro para congratulá-los e realizar a primeira cerimônia nupcial,
unindo-nos em corpos, com a expressa ordem de sermos fecundos e povoar a terra.
Aqui nascia a instituição chamada família, como resultado dos planos de Papai.
A cada momento com Eva era um presente do relógio divino.
Desfrutar de sua companhia trazia contentamento à alma e felicidade plena ao
espírito. Às vezes, pedia-lhe que me beliscasse para ter certeza de que era
real e não um sonho do qual não queria despertar.
Todas as manhãs, ao som da orquestra dos astros, contemplávamos a
grande procissão celestial em uma harmoniosa canção diante de Papai. Gostaria
de descrever esse cenário com palavras simples, de forma que você pudesse
experimentar uma fração desse momento. Mas sei agora que nossa mente é incapaz
de fazê-lo.
Eva e eu desfrutávamos da presença um do outro como se cada dia
fosse o primeiro, era como um flashback, uma reminiscência do dia em que, pela
primeira vez, nossos olhos se elevaram na mesma trajetória, em perfeita
sincronia. Que dia memorável!
Tínhamos tudo em comum. Passeávamos junto à fonte das águas, às
vezes passávamos horas sob a sombra da grande árvore. E, em muitos desses
momentos, Papai juntava-se a nós para contar-nos histórias lindas dos reinos
que criara.
Eva tinha um espírito curioso, e seu vocabulário era repleto de:
"o quê", "como", "por que", "quando",
etc. Sempre questionava. Não digo que isso fosse um defeito; pelo contrário,
adorava essa qualidade, pois isso me possibilitava momentos épicos. Era satisfatório
responder a cada questionamento. Sua presença me completava, e cada momento
juntos era, como disse anteriormente, um presente.
Lembro-me da vez que lhe apresentei, por nome, cada ser da menor à
maior criatura que Papai colocara no jardim. Havia, porém, uma em especial que
Eva tinha interesse particular: "astúcia" era como se chamava. Animal
de beleza excepcional tinha patas traseiras um pouco alongadas, um belo par de
asas compridas - que correspondia a sessenta por cento de seu tamanho - pele
grossa e delicada, com cores que impressionavam a vista. Acho que Eva nutria
carinho especial por ela, em detrimento aos demais animais que lhe apresentei,
pois sempre a tinha em sua companhia. Eram como melhores amigas.
Assim vivíamos em harmonia plena e paz perfeita em nosso lar, que
carinhosamente chamávamos de "Éden".
Certo dia, Papai chamou-me para conversar, como de costume. Mas
dessa vez, parecia diferente. Pude perceber pelo tom de sua voz, embargada e
triste. Ele contou-me uma história, que nunca havia compartilhado, de todas as
outras que tive o prazer de ouvir. Essa história era sobre o conflito. Papai
instruiu-me a prestar atenção, pois só poderia ser muito sério, pois nunca fora
instruído quando aos seus pés o ouvia. Essa história me impactou profundamente.
Papai tinha um timbre diferente ao enunciar, a cada detalhe que dizia em alguns
momentos, a voz embargada, com pesar, e decepção. Em um ponto específico da
história, pude perceber uma lágrima escorrer em sua face. Confesso que isso me
impressionou muito, pois nunca antes vi tal cena. A história era sobre um de
seus filhos. Não me recordo exatamente, mas Eva não estava ouvindo essa
história, talvez encantada pela "astúcia", distraía-se com a beleza
do jardim.
Quando Papai concluiu a história, estava atônito, com coração
contrito e espírito abalado, tentando encontrar a razão que justificasse
tamanha precipitação, mesmo sabendo que nenhuma palavra pudesse justificá-lo.
Papai, vendo minha reação, passou a confortar-me e instruir-me.
Fiquei por algum tempo pensando nesse fato, mas com o passar do
tempo e a presença de minha amada, fui preenchendo a mente com as tarefas que
realizava diariamente no Jardim. Mas uma coisa que Papai falou que não consegui
esquecer foi:
"Filho, você é obra de minhas mãos. Eu o amo de maneira que
você não consegue discernir agora. Por isso, lhe dei o poder de escolher se
corresponderá a esse amor. Você é e sempre será livre para escolher."
Essas palavras vinham com frequência à mente, mas ainda não
entendia por que razão teria que escolher, pois o amava com todas as minhas
forças e não achava razão para fazer diferente.
Só entendi essa declaração quando o "intruso" entrou na
nossa história, rompendo a harmonia e o equilíbrio das coisas e nosso
relacionamento com Papai.
Se você chegou até aqui, prepare-se, pois nossa história está
apenas começando.
Vejo-te no próximo capítulo"
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