Por Rosiane Souza Martins
A minissérie Adolescência me tocou profundamente. É difícil expressar com precisão o impacto emocional que provocou em mim. Suas diversas nuances ressoaram em minha história, no meu olhar clínico, e sobretudo, no meu coração de mãe e mentora parental. Tamanha foi a identificação que senti a necessidade de escrever — não apenas para analisar, mas para acolher. A emoção foi intensa. E ela continua pulsando, porque o que vi ali também vejo no dia a dia de muitas famílias que acompanho.
Confesso que não é simples organizar as ideias após assistir. A própria obra é estruturada como a vida: caótica às vezes, integrada em outras, cheia de pontas soltas que pedem conexão. E foi nesse emaranhado que encontrei um reflexo tão verdadeiro — da adolescência, dos vínculos familiares e, principalmente, da solidão que pode existir dentro de casa.
Como mentora parental, fui atravessada especialmente pela representação da ruptura na comunicação entre os pais e o jovem protagonista — um menino de 13 anos. E sim, é justamente nessa idade que costuma emergir o que muitos pais relatam como “o muro”: aquele momento em que o diálogo se fragmenta, os olhares se desencontram, e a clareza se esconde. Não é descuido. Não é desamor. É transição — intensa, biológica e emocional.
Daniel Siegel, neurocientista e psiquiatra que tanto me inspira, nos lembra que a puberdade traz consigo uma poda neural profunda, reestruturando o cérebro e, por consequência, a forma como os adolescentes se comportam e se conectam com o mundo. É como se precisássemos reaprender a conhecê-los — todos os dias. E, ao mesmo tempo, reaprender a nos perdoar.
Porque, sim, muitos de nós nos sentimos culpados. Culpados por não termos percebido antes. Por termos sido duros demais. Por termos estado ausentes. Por não saber como agir. Por, às vezes, apenas ter desejado que “essa fase passe logo”. Eu vejo isso em cada sessão, em cada conversa: adultos exaustos, tentando acertar, sem manuais nem bússolas. E quero dizer, com todo o carinho possível: vocês não estão sozinhos.
A minissérie nos confronta porque não traz alívio. Ela escancara. Expõe. Provoca. Os gatilhos emocionais nos quatro episódios são intensos — da culpa parental ao despreparo institucional. E, talvez por isso, cause tanto mal-estar. Porque toca em dores que muitos de nós não havíamos nomeado ainda. Mas essas dores, uma vez reconhecidas, podem se tornar ponto de virada.
Hoje, mais do que nunca, é urgente a presença — não apenas física, mas emocional — dos adultos na vida dos adolescentes. E quando esse espaço se enfraquece, a internet se impõe como figura parental simbólica. Só que ela não orienta, não acolhe, não protege. Ela molda. E, muitas vezes, molda de forma disfuncional. Nossos adolescentes, imersos em solidão, comparam-se, isolam-se, buscam pertencimento em grupos virtuais, enquanto os pais — muitos de nós — também estão perdidos, tentando manter tudo de pé.
A série trouxe à tona termos, códigos e símbolos que soam quase como um idioma estrangeiro para nós. Alguns de nós saíram pesquisando o que é "incel", tentando entender de onde vêm essas dores silenciosas, essas violências veladas. Ficamos perplexos. E tudo bem. A perplexidade é um começo. Não precisamos saber tudo. Precisamos estar dispostos.
Se essa minissérie fez algo valioso, foi abrir a conversa. E espero, de coração, que ela tenha entrado nos lares como uma faísca de reconexão — mesmo que desconfortável. Que tenha nos mostrado que ainda é tempo de reconstruir, de reaprender, de reapresentar nossos filhos a nós mesmos. De pedir desculpas, quando necessário. E de caminhar juntos.
Eu me vi, como tantas famílias, afetada por tudo isso. E é por isso que escrevo. Para acolher, para dizer que compreender a dor é um ato de amor. Que a culpa pode se transformar em cuidado. E que, no fim das contas, somos todos aprendizes nesse processo de crescer — inclusive nós, adultos.
1 Comentários
Lindo...sincero...e profundo! Estamos juntas nessa caminhada! De mãos dadas! Agradeço por tanta ajuda e sabedoria compartilhada. ❤️
ResponderExcluirObrigado por comentar